Crise no Ibama: entenda o que se sabe e o que ainda é preciso esclarecer na decisão que travou combate ao fogo

Em agosto, Ministério do Meio Ambiente suspendeu ação de fiscais e brigadistas, mas depois recuou após repercussão negativa. Agora, Ibama afirma que falta de recursos continua e impede pagamento de serviços básicos. Entenda a polêmica do corte de verbas do Ibama para combate a incêndios no Pantanal
A falta de dinheiro em caixa é o motivo alegado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a suspensão das atividades dos brigadistas que atuam no combate a incêndios florestais no país.
Abaixo, veja um resumo e depois o detalhamento sobre o que se sabe e o que o governo ainda não esclareceu sobre o imbróglio que ocorre em meio ao aumento das queimadas no Pantanal e na Amazônia.
Resumo até aqui
PRIMEIRA SUSPENSÃO: Em agosto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) já tinha anunciado a suspensão de operações contra queimada e desmatamento por falta de dinheiro. Recuou depois da repercussão negativa e de liberação de recursos.
BRIGADISTAS FORA DE COMBATE: A nova decisão, desta vez anunciada pelo Ibama, teve foco na paralisação das atividades de brigadistas do PrevFogo, em vigor desde esta quinta-feira (22).
MOTIVO DA DECISÃO: O motivo da suspensão é a falta de recursos. O presidente do Ibama, Eduardo Bim, diz que o órgão tem R$ 19 milhões em contratos pendentes.
ORÇAMENTO X CAIXA: A polêmica está no conflito entre orçamento previsto e o dinheiro em caixa. Órgão diz que não recebeu repasses. Em agosto, MMA disse que teve R$ 180 milhões bloqueados pelo Ministério da Economia.
REAÇÃO NO GOVERNO: Após a nova suspensão, a reação no governo foi distinta: o vice-presidente Hamilton Mourão diz que governo vai desbloquear recursos, mas o Ministério da Economia disse que não existe bloqueio de dotações orçamentárias.
SOCIEDADE CIVIL REAGE: Entidades apontam que a suspensão de atividades é “mais uma prova da política antiambiental” adotada pelo governo Bolsonaro.
Veja abaixo os detalhes de cada ponto:
Primeira suspensão
Em agosto, o MMA anunciou no dia 28 que, a partir do dia 31, suspenderia todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e às queimadas no Pantanal. À época, informou que a suspensão era motivada por um bloqueio financeiro determinado pela Secretaria de Orçamento Federal em verbas do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Segundo o MMA, foram bloqueados R$ 20,9 milhões do Ibama e R$ 39,7 milhões do ICMBio, e esses R$ 60,6 milhões se somaram à redução de outros R$ 120 milhões já previstos como corte do orçamento na área de meio ambiente para o exercício de 2021.
‘Ministro Salles se precipitou’, diz Mourão sobre suspensão de combate ao desmatamento
No mesmo dia, após críticas de ambientalistas e políticos, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia Legal, disse que o bloqueio não iria acontecer. “O ministro teve uma precipitação aí e não vai ser isso que vai acontecer. Não vai ser bloqueado os 60 milhões aí entre Ibama e ICMBio”, disse Mourão. A suspensão não chegou a ser efetivada no dia 31.
Brigadistas fora de combate
No novo capítulo, o anúncio da suspensão não foi realizado pelo próprio ministério, mas diretamente pelo Ibama. O órgão afirma que passa por “dificuldades” desde setembro “quanto à liberação financeira por parte da Secretaria do Tesouro Nacional”.
Em ofício, determinou que as brigadas interrompam os trabalhos em todo o país. A decisão que afeta mais de 1,3 mil brigadistas, ocorre em um período em que tanto o Pantanal quanto a Amazônia ainda enfrentam queimadas, que já chegaram a bater recordes históricos neste ano.
Ibama alega falta de recursos e pede que brigadistas voltem para as bases imediatamente
Até a mais recente atualização desta reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não divulgou nota sobre o tema ou qualquer detalhamento dos impactos da medida ou mesmo dos problemas financeiros na pasta.
Motivo da decisão
O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, disse nesta quinta-feira (22) que o órgão enfrenta problemas financeiros que impedem o cumprimento de compromissos.
“Temos contratos há três meses sem pagamento”, afirmou Bim em entrevista à GloboNews. Segundo ele, os pagamentos pendentes são da ordem de R$ 19 milhões.
“Os nossos pleitos de reposição financeira do Ibama vêm sendo trabalhados há meses. O controle do fluxo financeiro vem sendo enxugado há meses pela Secretaria do Tesouro”, afirmou o presidente do Ibama.
“Não é algo que seja desconhecido, é algo de planejamento de planilha, de sistema, e isso gera uma paralisia no órgão. Eu, como gestor, não posso gastar um dinheiro que não tenho, nem tenho como. Aliás, a gente tem contrato que já faz três meses que está sem pagamento.”
Orçamento x dinheiro em caixa
O orçamento do Ibama, que inclui despesas obrigatórias, como gastos de pessoal e aposentados, é de pouco menos de R$ 1,8 bilhão em 2020. As despesas discricionárias – valores que executados que não precisam ser obrigatoriamente pagos – somam perto de R$ 570 milhões.
De acordo com especialistas ouvidos pelo G1, um dos problemas de gestão dos recursos ocorreu ainda no início deste ano, quando ocorreu o repasse de R$ 230 milhões liberados pelo Supremo Tribunal Federal. O valor corresponde aos ressarcimentos da Lava Jato e, segundo especialistas, caiu na conta do Ibama e foi transferido para os estados.
Na visão dos especialistas, o imbróglio ocorre porque os ministérios da Fazenda e da Economia estão contando este valor como repassado para o Ibama – sendo que não foi utilizado de fato pelo instituto. Ao contar os R$ 230 milhões entre os R$ 570 milhões liberados para execução, o que sobra para todas as operações, fiscalizações, pagamento de helicópteros, e tudo o que envolve o combate aos crimes ambientais, acaba não sendo suficiente.
Mesmo assim, o Ibama não executou tudo o que era previsto em orçamento. No caso da verba destinada apenas para controle e fiscalização ambiental, o orçamento prevê R$ 66 milhões. Até esta quarta-feira (21), apenas R$ 26 milhões haviam sido executados. O mesmo vale para o valor que ficou com o Ibama da Lava Jato – além dos R$ 230 milhões encaminhados para os estados, o instituto recebeu a autorização para usar R$ 50 milhões – R$ 18 milhões foram utilizados.
Com relação aos valores liberados apenas para prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias, o Ibama teria R$ 38,6 milhões – e executou R$ 18,6 milhões.
Procurado pelo G1, os ministérios da Economia e do Meio Ambiente não divulgaram posicionamento sobre se o que foi apontado pelos especialistas da área é o principal motivo da nova crise no Ibama ou um dos fatores.
Reação no governo
Após o Ibama anunciar a decisão, o Ministério do Meio Ambiente não divulgou posicionamento.
O Ministério da Economia, em nota, informou apenas que não existe bloqueio de dotações orçamentárias do Ministério do Meio Ambiente, incluindo Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Questionado pelo G1 se recebeu pedido do Ibama, o Ministério da Economia disse que “qualquer pedido de ampliação de limite financeiro é encaminhado à Junta de Execução Orçamentária (JEO)” e que esse órgão colegiado é, em última instância, responsabilidade do Ministério da Casa Civil.
Assim como ocorreu em agosto, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que o governo vai desbloquear os recursos necessários para a retomada das atividades das brigadas de incêndios florestais em todo o país. Mourão disse ao G1 que conversou com o ministro da Casa Civil, Braga Netto, para esclarecer a questão.
Mourão não informou o valor que deve ser liberado e a data da liberação.
O blog da Ana Flor relatou que o Salles não comunicou Braga Neto e Guedes sobre interrupção de combate a incêndios. O vice-presidente também afirmou que não foi avisado por Salles da decisão.
Ana Flor: Ricardo Salles não comunicou Braga Neto e Guedes sobre interrupção de combate a incêndios
Sociedade civil reage
Uma ação popular foi apresentada nesta quinta pedindo que a Justiça Federal do Distrito Federal determine a manutenção de todas as brigadas de incêndio florestal, ligadas ao Prevfogo, nos locais em que estavam combatendo as chamas.
Em nota, o Greenpeace Brasil disse que suspender o trabalho de brigadistas é ‘mais uma prova da política antiambiental’ do governo. Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, problemas contábeis relacionados à gestão dos recursos financeiros e falhas na interação entre os ministérios não podem gerar paralisação de políticas públicas.
“O Ibama tem autorização orçamentária para gastar bem mais do que fez em 2020. Até 21 de outubro, a autarquia liquidou apenas 48,2% do autorizado na ação orçamentária 214M (prevenção e combate aos incêndios), 39,7% do autorizado na ação orçamentária 214N (fiscalização ambiental) e 36,3% dos R$ 50 milhões repassados pelo Supremo Tribunal Federal decorrentes dos recursos da Lava-Jato. Na verdade, executou muito pouco considerado o período do ano em que estamos, deveria ter feito mais. Os problemas atuais são relativos à programação financeira, não ao orçamento”, explica Suely Araújo.
VÍDEOS: mais assistidos do G1

By Silverio Martins

Veja Também!