Especialistas criticam paralisia do Fundo Amazônia em segundo dia de audiência pública no STF
Ministra Rosa Weber, relatora de ação que questiona atuação do governo, ouviu ministérios, instituições de pesquisa e especialistas sobre o tema. Data de julgamento ainda não foi marcada. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta segunda-feira (26) uma audiência pública, iniciada na sexta (23), para discutir a paralisação do Fundo Amazônia.
Foram ouvidos representantes de órgãos de monitoramento, pesquisadores e especialistas ambientais, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gestor do fundo. Os representantes de órgãos ambientais criticaram as decisões do governo Jair Bolsonaro em relação aos recursos.
O tribunal analisa uma ação de partidos de oposição, que apontam omissão da União ao não executar a verba doada pelos países europeus. A relatora do processo é a ministra Rosa Weber, e o julgamento ainda não tem data marcada.
O fundo está paralisado desde 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o comitê que orientava a aplicação dos recursos. A inclusão mais recente de um projeto entre os contemplados pelas verbas do Fundo Amazônia aconteceu ainda no governo Michel Temer, em 2018.
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Na sexta-feira (23), a ministra Rosa Weber ouviu ministérios, secretários estaduais de Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, creditou a paralisia do dinheiro aos países europeus, que teriam rejeitado alterações no modelo de gestão do fundo (veja detalhes abaixo).
Nesta segunda, a audiência tratou de temas como o estado de preservação, controle e prevenção do desmatamento na Amazônia, a estrutura do fundo e o “valor da floresta em pé”.
O diretor de Crédito e Garantia do BNDES, Petrônio Cançado, explicou como o Fundo Amazônia foi constituído, como os doadores fazem as doações e o processo para aprovação de projetos. Cançado também fez uma retrospectiva dos projetos já financiados com esses recursos.
O fundo foi criado em 2008 e capta doações para financiar projetos de combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta. Noruega e Alemanha são os principais doadores.
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Críticas ao governo
Suely Araújo, do Observatório do Clima, apontou que a paralisação de contratação de novos projetos no Fundo Amazônia faz parte de uma “opção governamental pelo não fazer”, o que ela chamou de “inação calculada” do Ministério do Meio Ambiente.
Especialista em políticas públicas e presidente do Ibama na gestão de Michel Temer, Suely também ressaltou a baixa execução orçamentária da pasta e criticou o papel do Brasil na política ambiental no exterior.
Segundo ela, o Brasil age ora como “negacionista”, ora como ator que faz pressão pelo pagamento dos países estrangeiros por serviços ambientais. Para a pesquisadora, é um “crime” manter parados recursos para investimentos no setor. “Não há explicação razoável para o desmonte do Fundo Amazônia”, afirmou.
Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), afirmou que está havendo uma “grande retomada do desmatamento” no Brasil ao mesmo tempo em que o Fundo Amazônia está paralisado. Informou ainda que 50% do desmatamento amazônico vem de desmatamento em áreas públicas, florestas da União e dos estados.
Sistemas de monitoramento
Os representantes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Cláudio Almeida; do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Carlos Souza Junior; do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Rafael Pinto Costa, apresentaram as ferramentas de monitoramento que são utilizadas no monitoramento de desmatamento, queimadas e degradação florestal da Amazônia.
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O diretor de programas do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra), Anaximandro Doudement Almeida, apresentou aos participantes como o órgão faz a regularização fundiária, que ele acredita ser essencial para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Participação de Salles
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participou da primeira parte da audiência realizada na sexta. Na ocasião, ele afirmou que o governo federal não recriou o Conselho Orientador do Fundo Amazônia, extinto há mais de um ano, porque os países europeus doadores rejeitaram mudanças no modelo de gestão dos recursos.
De acordo com Salles, o governo queria mexer na composição do conselho e extinguir a necessidade de decisão unânime no colegiado. Sem acordo entre os governos, o comitê foi extinto em abril de 2019 e, desde então, o fundo está paralisado.
“Um eventual novo decreto contemplaria condições negociadas que traziam essas preocupações do governo federal. Por outro lado, mantinham algumas ponderações sobre a ótica dos doadores. Infelizmente, essas condições de acordo não foram encontradas. Os doadores não concordaram”, disse Salles.
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A extinção do conselho orientador foi feita por um decreto de “revogaço” do presidente Jair Bolsonaro. No mesmo ato, ele extinguiu outros mais de 250 decretos sobre diversos temas. Com o impasse, o Brasil não aprovou nenhum projeto para receber verbas do Fundo Amazônia desde 2018.
Ibama falou por dois minutos
O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, utilizou apenas dois dos 20 minutos a que tinha direito para defender a importância dos recursos do Fundo Amazônia no orçamento do órgão no primeiro dia de audiência pública.
O gestor disse que o dinheiro tem “papel fundamental” nas ações do Ibama, mas abriu mão de detalhar como a verba é aplicada. O Ibama chegou a paralisar as atividades de combate a queimadas na semana passada, justamente por falta de recursos.
Na quarta (21), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, determinou que todas as equipes ligadas ao PrevFogo, do Ibama, suspendessem as missões. Na sexta (23), o Ministério da Economia anunciou a destinação de mais recursos para órgãos ambientais.